Manifesto of IFJ Portuguese Union - Sindicato dos Jornalistas - on Protection of Sources

© Sindicato dos Jornalistas





<center>O sigilo é a essência da lealdade</center>

<center>(Manifesto em defesa de Manso Preto e Paula Martinheira)</center>

1. O Tribunal da Relação de Évora decidiu mandar a jornalista Paula Martinheira quebrar o seu dever de sigilo jornalístico e revelar em juízo as suas fontes de informação numa investigação que publicou em Abril de 2003 no "Diário de Notícias". A jornalista, chamada a depor para ajudar a autoridade judiciária a esclarecer quem teria violado o segredo de justiça, recusara - e bem - denunciar as suas fontes de informação. Invocando o interesse do Estado na punição do eventual prevaricador, aquela instância pretende impor à jornalista o dever de colaborar com a Justiça, o qual se sobrepõe ao dever de sigilo profissional, argumenta.

2. Mesmo com risco de a sua recusa poder configurar uma desobediência, Paula Martinheira, confrontada com o tribunal da sua consciência, continua a considerar que não pode violar um dever essencial - o da lealdade para com as suas fontes. O Sindicato dos Jornalistas, cujo parecer, emitido nos termos do Código do Processo Penal, foi contrário à quebra do dever de sigilo, reafirma a sua posição e declara o seu apoio à jornalista, cuja coragem em fazer valer o preceito deontológico da não revelação das fontes, mesmo em juízo, deve ser sublinhado.

3. O jornalista freelance Manso Preto aguarda julgamento por fazer valer também o seu direito/dever de não revelar as suas fontes de informação. Corajosamente não acatou a ordem de quebra do sigilo jornalístico imposta pela Relação de Lisboa (o SJ também, neste caso, emitiu parecer contra a quebra do sigilo) e recusa-se a denunciar, como testemunha, quem confiou na sua lealdade, motivo por que está acusado do crime de recusa de depoimento na qualidade de testemunha, previsto e punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou com multa não inferior a 60 dias.

4. Empenhado, desde o primeiro instante, no apoio a Manso Preto, através do Conselho Deontológico e da Direcção, bem como dos seus Serviços Jurídicos, que o patrocinam no processo em causa, o Sindicato dos Jornalistas tudo fará para continuar a assegurar ao jornalista não só a melhor defesa possível, mas também o acompanhamento nestes momentos difíceis e a solidariedade indispensável à prova que enfrenta.

5. Ao exortar os seus associados e os jornalistas em geral à observância intransigente de regras tão sagradas como o dever de sigilo, o SJ tem consciência de que pede um sacrifício que a nenhuns outros profissionais porventura se exige. Quando os jornalistas portugueses aprovaram o seu Código Deontológico tinham bem presentes as consequências - inclusivamente penais - do pacto de lealdade que assumiram e que os obriga perante os seus pares, as suas fontes e a sociedade em geral. "O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos", postula o Código.

6. Ao assumir colectiva e individualmente um tal pacto, até com risco de sacrifício da sua liberdade física, os jornalistas portugueses dão garantias de que a informação que disponibilizam é obtida com lealdade e também com responsabilidade. Ao arrostar as consequências da lealdade para com as fontes cuja identidade deve ser preservada, os jornalistas transformam o ónus do risco em tributo cívico à liberdade de imprensa, sem a qual a democracia asfixiaria. O sigilo jornalístico consagrado na Constituição da República Portuguesa é um valor essencial à liberdade de informação, esteio do regime democrático e não um privilégio de uma classe profissional.

7. O Sindicato também não ignora o contexto complexo em que se inserem as decisões das Relações de Lisboa e Évora que impuseram a quebra do dever de sigilo aos jornalistas Manso Preto e Paula Martinheira. Assim como reconhece que ultimamente alguns valores podem estar a ser sacrificados no altar da mediatização da justiça ou comprimidos nas tensões crescentes entre os poderes do Estado e os alegados poderes dos média. Mas o SJ não pode aceitar que a investigação criminal seja erigida como valor absoluto, sacrificando, sem a necessária ponderação, outros valores fundamentais, como a liberdade de expressão. Assim como não pode aceitar que os jornalistas sejam transformados em instrumentos auxiliares da investigação judiciária, a qual dispõe de outros meios que não a quebra dos deveres deontológicos destes profissionais, sob pena de pôr irremediavelmente em crise a confiança das fontes e do público.

8. A defesa intransigente do dever de sigilo não significa que os jornalistas e o seu Sindicato reclamem para estes profissionais um estatuto - a nenhum título aceitável! - de impunidade. Significa, isso sim, que os jornalistas não querem fugir às responsabilidades - penais, se necessário - que lhes cabem quando porventura ofendem terceiros nas suas funções profissionais e que, por conseguinte, não se refugiam atrás do biombo das fontes confidenciais. Se houver que responsabilizar alguém por danos e ofensas, os jornalistas assumem o risco de manter a face no processo e não denunciam quem neles confiou. O sigilo jornalístico não é, pois, um refúgio. É a essência da lealdade; e sem lealdade não há jornalismo credível.

9. Sem prejuízo de outras iniciativas, o Sindicato vai dar conhecimento destes casos à Federação Europeia de Jornalistas, à Federação Internacional de Jornalistas e a outras organizações internacionais de defesa da liberdade de imprensa.

Lisboa, 6 de Janeiro de 2004

A Direcção e o Conselho Deontológico